Figura Reprodução | Google Imagens |
O sentimento de infância presente na sociedade moderna, nem sempre recebeu muita importância, de modo que durante a idade média, inexistia um sentimento de infância e ainda menos de adolescência. Até o século XVIII a adolescência foi confundida com infância.
A criança era vista como adulto em miniatura e
logo que apresentava algum desenvolvimento misturava-se ao mundo dos adultos,
participando das mesmas atividades como festas, jogos e brincadeiras. Nessa
época a família não tinha função afetiva, sendo que na Idade Média ''era muito
mais uma realidade moral e social que sentimental".
Assim, como dito antes, as crianças não tinham
valor, pois a infância era desconhecida, sendo só um período de transição,
tanto que o número elevado de óbitos de crianças acontecia sem muito
lamento pela perda, já que o índice de natalidade também era elevado. Era
presente o sentimento de que a reprodução era para que se tivessem várias
crianças, de modo que algumas delas pudessem ser conservadas, preservando-se, assim,
a ideia da procriação (reforçando a inexistência de um sentimento pela infância
na época).
A partir do século XVII, começamos a perceber
um novo sentimento em relação à infância, reconhecendo-se na criança uma
personalidade e a alma infantil, sob influência direta da cristianização dos
costumes. Desde então, a criança começou a ser representada sozinha, sendo
destacado pelo autor o ''Putto'', a criancinha caracterizada pelos pintores do
final do século XVI.
As crianças se vestiam como adultos
A evolução do sentimento da infância também
pode ser percebida na análise dos trajes, jogos brincadeiras, noções de
sexualidade e escolaridade. Na Idade Média, o traje da época denunciava o
quanto à infância era então pouco particularizada na família, pois o traje nada
separava a criança do mundo do adulto.
Segundo Ariès "assim que a criança
deixava os cueiros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno do seu
corpo, ela era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição".
Tal fato torna-se compreensível frente à inexistência de um sentimento de
infância. Diante da concepção de criança que se tinha na época não havia porque
existir preocupação relativa ao conforto e ao próprio mundo infantil.
As
análises de Ariès para justificar sua tese da ausência do conceito de infância
basearam-se, também, nos apanhados do diário de um francês chamado Heroard,
médico do rei Henrique IV, e este último, pai do príncipe Luis XIII
(1610-1643).
Este príncipe foi alvo de detalhados relatos
no diário do médico, onde descrevia minimamente os fatos cotidianos da vida do
chamado pequeno infante. Um leitor moderno do diário em que Heroard
anotava os fatos corriqueiros da vida do jovem Luis XIII pode ficar confuso
diante da liberdade com que se tratavam as crianças, da grosseria das
brincadeiras e da indecência dos gestos cuja publicidade não chocava a ninguém
e que, ao contrário, pareciam perfeitamente naturais.
Nenhum outro documento poderia dar-nos uma ideia
mais nítida da total ausência do sentimento moderno da infância nos últimos
anos do século XVI e início do XVII.
Há constatações, que remetem aqueles que se
interessam pela temática do surgimento do sentimento de infância, a um
aprofundamento mais específico nessas questões discutidas aqui. Exemplo disto é
a conclusão, feita por Ariès de que não havia entendimento de que a infância
tinha especificidades.
Outra constatação importante feita é a de que
foi após o surgimento da escola que se colocou em pauta com mais veemência
questões específicas sobre a essa fase da vida, que hoje consideramos tão
importante quanto à juventude.
A razão do desinteresse pela
infância
De acordo com o medievalista James A. Schultz,
citado por Heywood, por cerca de 2 mil anos, desde a Antiguidade até o século
XVIII, as crianças no Ocidente, eram consideradas como sendo adultos
imperfeito, sendo e totalmente subordinadas aos adultos.
Desse
modo, a ideia da infância estava ligada essencialmente à ideia da
dependência. Saía-se da infância quando se atingia os mais baixos graus de
dependência. Esse período era tão breve e insignificante que a criança não
chegava a sair de uma espécie de anonimato, que pode ser explicado
pelo alto índice de mortalidade infantil, que tornava a infância demasiado
frágil para ganhar um lugar significante.
Essa etapa da vida provavelmente seria de
pouco interesse, para os escritores medievais e, assim, somente em épocas
comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são
especiais, sendo dignas de serem estudadas.
Para Heywood, essa generalização com relação a
períodos e lugares não é capaz de resistir a uma análise mais rigorosa. No
entanto, ele considera que a comparação entre criança “imperfeita” (concepção
medieval) e criança mística (concepção dos românticos do século XIX) é uma ação
bastante instrutiva.
(...) Aristóteles acreditava que apenas os
homens no vigor dos anos seriam capazes de julgar corretamente a outros, dado
que os jovens exibiam demasiadamente confiança, e os velhos, confiança de
menos. Sendo assim, o conceito aristotélico de criança via esse menino (pois
eram meninos que geralmente se tinham em mente) como sendo “importante não por
si mesmo, mas por seu potencial”.
Até os anos 1960, os pesquisadores
consideravam a criança como “organismo incompleto”, que evoluía em direções
distintas, em resposta a estímulos diferenciados.
Vemos que mais uma vez, a idade adulta era a
etapa fundamental da vida, para qual a infância não passava de uma preparação
e, assim, o importante era encontrar formas de transformar a criança imatura,
irracional, incompetente, associal e acultural em um adulto maduro, racional
competente, social e autônomo.
Esse modo de pensar pode ter criado um
obstáculo para a pesquisa sobre a criança, permanecendo o sentimento de que a
infância era um fenômeno de pouco interesse para os pesquisadores.
Em 1990 os sociólogos Alan Prout e Allison
James apontavam para o surgimento de um novo paradigma para a sociologia da
infância, baseado em seis aspectos fundamentais. Em 1998 esses autores,
juntamente com Chris Jenks, defenderam abordagens sociológicas, das quais três são
consideradas relevantes para os historiadores:
·
A infância deve ser compreendida como uma
construção social, de modo que os termos “criança” e “infância” serão
compreendidos de formas distintas por sociedades diferentes, afinal a
imaturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é
compreendida e como atribuem significados é um fato cultural.
· A criança é uma variável da análise social, a ser analisada em conjunto com outras, como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade. Uma categoria relacionada à idade, como a infância, não pode ser investigada sem que se faça referência a outras formas de diferenciação social que a intersectam. Uma infância de classe média será diferente daquela vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos provavelmente não serão criados da mesma forma que as meninas etc.
·
As crianças devem ser consideradas como partes
ativas na determinação de suas vidas e das vidas daqueles que estão a seu
redor, afinal, as relações entre adultos e crianças podem ser descritas como
uma forma de interação, na qual os pequenos têm cultura própria ou sucessão
delas (as crianças não são receptáculos passivos dos ensinamentos dos adultos,
como pensavam os neobehavioristas; pesquisas sociais recentes indicam ser um
engano atribuir aos pais o papel de modelo e às crianças o de seguidoras).
Limites para
o novo paradigma proposto por Prout, James e Jenks
- Se a infância deve ser considerada uma construção social, que papel resta às influências biológicas?
- Como se pode chegar a ideias gerais sobre a infância quando a ênfase recai sobre a pluralidade dos construtos sociais, no limite, naquilo que é singular a cada sociedade e não no que é comum a todas?
Esse novo paradigma das ciências sociais
influenciou e foi influenciado pela historiografia sobre a infância, tanto que
os historiadores contribuíram para um reconhecimento da construção social da
infância no qual as comparações no decorrer do tempo foram instrutivas quanto às
de caráter intercultural.
O livro "história social da criança e da
família" adequado aos cientistas sociais nos anos 1970 por afirmar que na
sociedade medieval o sentimento da infância não existia desencadeou uma série
de debates estritamente históricos, sendo discutido se o período medieval tinha
realmente uma consciência da infância; dos períodos fundamentais na “descoberta
da infância”, da natureza das relações entre pais e filhos nos diversos
períodos e do papel das escolas.
O problema das fontes sobre a infância
Um problema específico para os historiadores é
desencavar materiais-fonte sobre infâncias do passado. As próprias crianças não
deixam muitos registros. Até mesmo os artefatos destinados a elas, como livros
e brinquedos, sobrevivem pouco.
Os historiadores têm demonstrado uma
engenhosidade considerável em sua utilização das fontes, recorrendo a registros
oficiais como os produzidos por inspetores de fábricas e escolas; trabalhos polêmicos
gerados a partir de debates relacionados à infância; descrições literárias em
romances e poesias; “documentos do ego”, na forma de diários; autobiografias e
testemunhos orais; coleções folclóricas e manuais de aconselhamento destinados
aos pais.
Fontes: historiadainfancia.blogspot.com
webartigos.com/articles/18511/1/O-Sentimento-de-Infancia-As-Origens-do-desafeto-/pagina1.html#ixzz1R0W37400
webartigos.com/articles/18511/1/O-Sentimento-de-Infancia-As-Origens-do-desafeto-/pagina1.html#ixzz1R0W37400
* Texto sugerido na biblioteca do curso
Educação Infantil: Uma proposta pedagógica
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