A proposta de organização do trabalho
pedagógico por meio de Projetos de Estudos tem como premissa básica a formação
de sujeitos com consciência crítica.
Para tanto, necessário se faz romper
com as práticas pedagógicas que insistem em considerar a criança um ser
inacabado; ou um ser que se basta no processo de aprendizagem e
desenvolvimento, e, ainda, não dá para continuarmos com práticas em que as
crianças são vistas como meras executoras.
O Projeto de Estudo, como o próprio
nome já diz, precisa ser planejado, sonhado, registrado e sistematizado de
forma compartilhada.
E em se tratando de projetos para
estudos, implica em ser detalhado no sentido de garantir às
crianças/estudantes, a produção, a apropriação e a objetivação dos
conhecimentos, num processo de interlocução entre o conhecimento cotidiano e o
conhecimento científico.
Isso significa dizer, que o seu
detalhamento exige uma organização didática, na qual chamamos de Sequência
Didática. As Sequências Didáticas promovem a objetivação dos estudos a serem
realizados no decorrer do projeto. Constitui o detalhamento necessário para a
apropriação dos conhecimentos científico.
Esse detalhamento didático, na qual
intitulamos de Situações de Ensino e de Aprendizagem, é o passo a passo da
Sequência Didática.
Assim, por meio das Situações de Ensino
e de Aprendizagem, devemos promover experiências, discussões, reflexões e
estudos que promovam a interlocução entre os conhecimentos cotidianos e
científicos, de forma que as crianças compreendam o espaço e tempo em que
vivem, com vistas a atuarem nesse espaço e tempo com consciência crítica.
A proposta de estudos por meio de projetos é político-pedagógica, tendo em vista que:
- As crianças precisam ver
sentido no que estão aprendendo no lócus da escola. Por isso precisam
viver experiências significativas.
- O trabalho com Projeto de
Estudos, nos permite dialogar com as múltiplas linguagens e com os
diferentes conhecimentos das diversas áreas do saber, numa perspectiva
interdisciplinar.
- Os estudos realizados por
meio de projetos, nos permitem ir ao encontro das reais necessidades das
crianças/estudantes.
- O processo de ensino e de
aprendizagem se constitui com mais sentido e significado, uma vez que os
estudos a serem realizados têm motivo real, objetivo real e
interlocutores reais.
- A mediação pedagógica, tem
como princípio a aprendizagem compartilhada.
- As crianças se inserem no projeto
enquanto sujeito de direito - direito a vez e voz.
- A proposta de estudos por
meio de projetos se ancora na premissa de que devemos considerar as
práticas sociais e culturais infantis, Etc.
Vale destacar, que a organização do
trabalho pedagógico por meio de projetos de estudos, tem como premissa básica a
formação das crianças (dos/as estudantes) num processo dialógico, em que a
linguagem se revela instrumento mediador, e com implicações significativas no
processo de constituição da individualidade (constituição da consciência), na
qual se promovem o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
A constituição da
consciência pode ser explicada com base nos princípios da interação entre o “eu
e o outro”, que ocorre no cotidiano das práticas sociais e culturais. A
consciência se constitui na/pela interação entre objetivação e apropriação,
enquanto mediadora entre a vida/experiência do indivíduo e a história do gênero
humano.
Conforme nos fala Bakthin (1992b),
(...) tudo o que me
diz respeito, a começar por meu nome, e que penetra em minha consciência,
vêm-me do mundo exterior, da boca do outro, e me é dado com a entonação, com o
tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente, através
dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a
formação original da representação que terei de mim mesmo (...). Assim como o
corpo se forma originalmente dentro do seio (do corpo) materno, a consciência
do homem desperta envolta na consciência do outro (p. 378).
O indivíduo/sujeito se constitui no
processo de interlocução entre o “eu e o outro” e essa constituição se realiza
por meio da relação entre a apropriação e a objetivação dos diferentes
conceitos/conhecimentos que permeiam as práticas sociais e culturais, na qual
acontecem as múltiplas interações entre os sujeitos.
Assim, no que se refere ao processo
educativo de cunho didático-pedagógico, aquele que acontece no contexto da
escola, precisa-se destacar o seu caráter eminentemente científico e político,
e que, portanto exige mediação pedagógica, de forma consciente, crítica e
instigadora.
Inicialmente, a individualidade não se revela de forma consciente. Isso
significa que num primeiro momento demonstra uma relação espontânea entre o
indivíduo e as objetivações produzidas ao longo da história.
Nesse sentido, os conhecimentos
cotidianos, aqueles produzidos, apropriados e objetivados no cotidiano das
práticas sociais e culturais informais, promovem a constituição da consciência
humana, mas não garante que a mesma ocorra de forma crítica.
Por isso, defendemos uma educação que
leve em consideração a formação da individualidade que acontece no cotidiano
das interações sociais e culturais realizadas nas diferentes esferas de
interação social e cultural (na família, na comunidade, na igreja que
frequenta, dentre outras).
Levar em consideração essa realidade
significa considerar as práticas sociais e culturais vividas nesse cotidiano,
na qual chamamos de conhecimento cotidiano, e assim, promover a sua
interlocução com os conhecimentos científicos, com vistas à constituição da
consciência crítica.
Nesse sentido, precisamos considerar a
importância das práticas pedagógicas que objetivam os conhecimentos científicos
de forma reflexiva. Daí a importância da mediação pedagógica problematizadora, na qual denominamos de metodologia de mediação didática-pedagógica dialógica, enfim, uma metodologia comprometida com a emancipação do
sujeito.
Estamos falando de uma emancipação
empreendedora, quando as pessoas estão comprometidas politicamente com o espaço
e tempo em que vivem, com o outro (o próximo) e consigo mesmas.
Pessoas que se relacionam com os
espaços e tempos em que vivem de forma questionadora, que saibam ler nas
entrelinhas as artimanhas das ideologias que permeiam o nosso cotidiano, como
por exemplo, o consumismo exacerbado; a naturalização da fome do outro; a falta
de empatia, etc.
Isso porque, percebemos que as pessoas
têm se constituído num contexto social, cultural, histórico, ideológico,
político e econômico, em que ainda, infelizmente, existem discriminações,
preconceitos raciais, de gênero, de sexualidade, de classe, de deficiência física,
dentre outros.
O fato de nos constituirmos
numa relação de poder e de severo consumismo, as práticas sociais e culturais
tem promovido a formação da individualidade de forma alienada. E é nessa
perspectiva, que defendemos uma educação que promova atitudes críticas em
relação aos tempos e espaços em que vivemos.
Nesse sentido, dialogamos com Duarte
(1993) que no nosso entender, ao destacar a formação da individualidade em-si e
para-si, evidenciando o papel da escola na superação da individualidade em-si,
com vistas à formação da individualidade para-si, nos instiga repensar as práticas
didáticos-pedagógicas.
Para Duarte (1993),
- O indivíduo em-si
alienado não mantém uma relação consciente também com sua particularidade. Ele
se identifica espontaneamente com ela, assim como se identifica espontaneamente
com os elementos da generecidade dos quais precisa se apropriar para viver em
seu meio social;
- O indivíduo para-si
é o ser humano cuja individualidade está em permanente busca de se relacionar
conscientemente com sua própria vida, com sua individualidade, mediado pela
também constante busca de relação consciente com o gênero humano;
- O indivíduo em-si
alienado não conduz a sua vida cotidiana, mas é por ela conduzido. Assume como
natural a hierarquia espontânea das atividades cotidianas que encontra pronta
em seu meio social imediato, hierarquia está determinada pelas relações
sociais, desde as relações de produção, até as relações mais imediatamente
relacionadas à sua disposição no quadro das relações alienadas;
- O processo
educativo não pode ser visto apenas como um processo que coloca o indivíduo, em
contato com as objetivações genéricas para-si, [conhecimento científico -
ciência, arte, filosofia, política, etc., mas também e não secundariamente,
como um processo que torna as objetivações genéricas para-si uma necessidade
para o pleno desenvolvimento do indivíduo (Duarte, 1993, 183-196).
Como podemos ver, o processo de formação da consciência crítica , requer um trabalho consciente no lócus da escola, isto é, um projeto de estudos que considera a importância da interlocução entre o currículo vivido e os conhecimentos cotidianos, como ponto de partida e de chegada, de modo que possa qualificar o processo de apropriação dos conhecimentos científicos.
Nesse contexto de análise, destacamos
também a importância de dialogarmos com os estudos de Paulo Freire, tendo em
vista que as suas proposições se ancoram em premissas que defendem uma educação
transformadora, uma pedagogia dialógica e práticas de liberdade.
Sua proposta de trabalho parte sempre
de um contexto concreto para responder a esse contexto. Partir das experiências
concretas, reais e necessárias, bem como, considerar os conhecimentos
cotidianos como ponto de partida e de chegada, é mais uma premissa fundamental
no processo de organização do trabalho pedagógico por meio de projetos de
estudos.
Isso porque, não se promove a formação
de pessoas com consciência crítica, quando planejamos atividades desvinculadas
da realidade cotidiana, e, ainda quando planejamos visando apenas a execução
das mesmas pelas crianças/estudantes.
O educador, que
aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o
que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas
posições nega a educação e o conhecimento como processo de busca (...) se o
educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele dar,
entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de
“experiência feito” para ser de experiência narrada ou transmitida. Não é de
estranhar, pois que nessa visão “bancária” da educação, os homens sejam vistos
como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos
no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em
si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como
transformadores dele. Como sujeitos. (FREIRE, 1974, p. 58-60)
Nesse sentido, necessário se faz
considerar que não dá para organizar Projetos de Estudos com Sequências
Didáticas sem contextualizar os conhecimentos necessários para a emancipação da
comunidade. Não dá para ensinar com parlendas, por exemplo, apenas por causa da
sonoridade das palavras, pois essas atividades têm objetivos em si mesmas, e,
ainda tem o objetivo de formar o educando-massa, com consciência ingênua, num
processo de constituição da individualidade em-si alienada.
Quanto mais problematizarmos e instigarmos
as crianças, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão
desafiadas e encorajadas a enfrentarem os desafios vivenciado.
Esse é o propósito dos Projetos de
Estudos!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKTHIN, Mikhail. Marxismo e
filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1992.
DUARTE, Newton. A individualidade
para-si: contribuição a uma teoria-social da formação do indivíduo. São
Paulo: Autores Associados, 1993.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São
Paulo: Paz e Terra, 1997.
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